" Não há meia mentira, tampouco meia verdade e nem meia liberdade, pois não pode ser cortada, quem acha o rumo da aguada, não morre de sede a míngua, e quem fala meia língua, termina dizendo nada!" (Jayme Caetano Braun)

domingo, 24 de abril de 2011

Galpão Nativo




Meu velho galpão de estância
da pampa verde-amarela
que ficou de sentinela
da história da nossa infância,
és um marco na distância
da velha capitania
porque foste a sacristia
do batismo do gaúcho
quando moldou-se o debuxo
da Pátria que amanhecia.

Quinchado de santa-fé
oito esteios, pau-a-pique,
até parece um cacique
todo emplumado de pé,
o legendário Sepé,
legítimo rei no trono,
que desde o primeiro entono
trazia Pátria nos tentos,
anunciando aos quatro ventos
que esta terra tinha dono.

Velho bivaque nativo
encravado na coxilha.
Palanque de corunilha
do Rio Grande primitivo,
altar do fogo votivo,
que um dia o guasca acendeu
e aceso permaneceu
bordado de picumãs,
anunciando aos amanhãs
que o gaúcho não morreu.

Não existe nada igual
em qualquer parte do mundo,
como o vínculo profundo
do galpão tradicional
e esse galpão ancestral
que acalenta e arrebata,
nessa velha casamata,
onde o guasca viu a luz,
galpão que a história traduz
como oficina de Pátria.

Foi aqui que se fundiram
aqueles velhos modelos
que serviram de sinuelos
da Pátria que constituíram,
da Pátria que construíram
e a isso se propuseram
e nunca se detiveram,
porque nunca se detinham,
p'ra perguntar de onde vinham,

nem
tão pouco quantos eram.


Foi aqui que descansaram,
depois da lides guerreiras,
os centauros das fronteiras
que irmaneados - chimarrearam
e foi daqui que marcharam,
os andejos e gaudérios,
negros e mulatos sérios
e tapejaras errantes,
gaúchos e bandeirantes,
rasgadores de hemisférios.

O grande poeta Balbino
Marques da Rocha escreveu:
"que o rio-grandense cresceu
dono do próprio destino,
peleando desde menino
criado longe do pai
e é ele que um dia vai
de boleadeira e de vincha
e traz o Brasil na cincha
p'ras barrancas do Uruguai".

Esse é o galpão que cultuamos
esse é o galpão que queremos,
é esse o galpão que erguemos
e o galpão que conservamos,
como dizia Ruy Ramos,
velho tribuno imponente,
um pedaço de presente
e um pedaço de passado
e futuro enraizado
no subsolo da gente.

Essa a legenda -essa a história,
essa a história - essa a legenda
dessa rústica vivenda,
da luta demarcatória,
da luta emancipatória,
da velha pátria comum,
não há preconceito algum
no velho galpão campeiro,
ao pé de cujo braseiro
sempre há lugar p'ra mais um.

Tribunal e refeitório
de maulas e milicianos,
de charruas e paisanos
sem Pátria nem território
hoje és galpão - repertório
daquelas charlas fraternas
e das lembranças eternas
das saudades que ficaram,
dos centauros que matearam
nos teus cepos de três pernas.

Porém te testa um encargo,
velho galpão ancestral,
legendária catedral
de Pátria de de pampa largo,
no ritual do mate-amargo
ainda existe sevadura.
És um templo na planura,
de paz, amor e carinho,
p'ra iluminar o caminho
da grande Pátria futura.

Se não houver campo aberto
lá em cima, quando eu me for,
um galpão acolhedor,
de santa-fé, bem coberto,
um pingo pastando perto,
só de pensar me comovo,
eu juro, pelo meu povo,
nem todo o céu me segura,
retorno a velha planura
pra ser gaúcho... de novo ! 


                               Jayme Caetano Braun

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